3# O Desabafo (do) Comum

24-11-2013 18:02

Difícil começar este texto. Cada letra que sai ainda soa como um grito sem som.

Vulgar soa a vida quando nos apanhamos, de um momento para o outro, num cenário preenchido de lugares-comuns que sempre estereotipamos... nos outros.

Os meus dedos estão gélidos, a minha lapiseira demasiado rija. Esforço-me para emitir alguma sonoridade mental, mas o sistema está danificado. Passa sempre o mesmo. E o mesmo.

Que mal tem respeitar? Que carência de personalidade atractiva é que demonstramos quando evocamos carinho, ou algum tipo genuína simpatia? Onde erramos ao querer  ficar em casa ao ler um livro, em vez de querer ir à festa mais bombástica do ano? Onde falhei?

Sempre preenchido por lugares-comuns como dizia, um deles é questionarmos tudo desde a raiz. Hesitamos na certeza do acto ocorrido, no efeito da palavra proferida. Devia ter sido pior. Devia ter ficado menos chateado... Algo passou e eu não vi.

São os dilemas de amar. Não me sinto experiente no assunto, mas já o frequentei. Tão rico como efémero. Tão bonito como merdento. Tão rico como devastador.

Muito falam no amor sem sexo, e no sexo sem amor. E amor sem amizade, existe? Claro que existe. Não se retrata nem se ilustra em actos hostis de errar propositadamente, ou de atingir o parceiro com intenção. Existe sim no desprezo e no egoísmo de proferir todas os sentimentos mais sagrados até ao ponto em que deixam de o ser. Até porque não existem. Como uma mentira que repetimos tantas vezes até que nos começa a parecer verdade. Designa-se isto de mentira confortável à nossa consciência, porque simplesmente se mescla com todas as outras sensações positivas que adquirimos na mesma.

E nós? Nós ficamos como restos desfragmentados, tão tristes como envergonhados por tão banais que nos sentimos. Se na relação em que mais acreditamos são as relações em que nos magoamos mais, a dor de viver torna-se, a partir desse momento, sempre presente. Porque acreditar faz simplesmente parte das nossas vidas.

Depois de escrever algum conjunto de palavras, sinto que ainda nada saiu. Está tudo entranhado, como um cancro. O silêncio continua ensurdecedor. Os meus dedos começam a ficar gelados. E a lapiseira vai ficando mais espessa.

E o relógio, plataforma da minha salvação, prossegue mais imóvel que nunca. Ele, e eu.