Na Terra dos Sonhos
Ontem à noite, esperando um sono que hesitava em encontrar-se comigo, lembrei-me que estava para acabar de ver a película “Inception”, de Leonardo DiCaprio, há já uns meses. Dei essa oportunidade a mim mesmo, quando a imaginação para fazer algo já escasseava. É um filme que opta por retractar uma espécie de terceira dimensão que se cria e desenvolve nos sonhos das pessoas, partindo da própria realidade (sei hoje que daria um péssimo cronista de Hollywood, pois sinto que estou mais a definir o conceito do “Matrix”).
Mas ao contrário do que se sucede no filme, vou acreditando que esta espécie de mundo alternativo tem ganho força no nosso País! Porque ou vivemos numa terra de mágicos e ilusionistas (com todo o carinho pelo nosso Luís de Matos), ou então existem realmente entidades e personas que tem dado o seu cunho numa relação disfuncional entre o sonho e a realidade.
Desde que a troika chegou a Portugal, a dívida pública portuguesa percorreu um caminho memorável, começando nos seus modestos 94%, passando para uns 108% “rijinhos”, até uns amplamente ambiciosos 129%. No desemprego, os 12% da altura não se acomodarem e chegamos hoje até mais de 15%. Estamos também a assistir à maior emigração de portugueses desde a década de 60 (100 a 120 mil por ano, diz o Governo). Falando nos anos 60, foi também o quarto pior ano económico desde esse tempo. Nem tudo é terrível, verdade, mau era se fosse, mas fazer disto um cenário que chegue ao minimamente aceitável é o maior bloqueio mental que pode existir, que nem com uma ex-namorada que ainda gostamos esse pensamento se pode permitir.
Mas ligo eu a já ignorada televisão e deparo-me com a excelentíssima Maria José Albuquerque aclamando que se está a fazer história, como se tivesse vencido a Liga das Campeões quando ainda nem passou o Play-Off. Leio o já mais acarinhado jornal e observo o Financial Times, numa espécie de documentário que me fez associar a um certo estilo… norte-coreano, denominando Portugal como o “herói-surpresa” da Europa. E essa Europa, velha raposa, sábia e gananciosa, esfrega as suas mãos pintadas de corrupção vendo um eventual fim (?) a um muito dúbio percurso financeiro.
Porque não acompanham os portugueses a excitação do Governo e de tantos comentadores? Porque, para bem o para o mal, somos nós – quase num plano paradoxal – a enfrentar a realidade, que já ela cobre juros. Porque somos nós que vivemos do que na economia é estrutural para quem depende apenas do seu sustento. E, observamos, em cenário de tragédia grega (duplo sentido aqui), marionetes engravatadas a quem mandaram agora colocar um sorriso na cara e declamar a mudança, que só existe num sub-mundo, obscuro e comandando por velhas montanhas que nos observam de cima, de whisky e charuto na mão.
Sub-mundo esse que me devolve ao “Inception”. Para ser sincero, apesar do filme ser interessante, foi o meu curativo da insónia, pois adormeci ainda antes do fim. Mas basta desligar a televisão e olhar para a realidade e para este Governo que o sono me volta a abandonar fugazmente. Isto é, se tudo isto não passa de um sonho..
«Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras.» Marcel Proust
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